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Saga das Almas
A PORTA

Finda mais um dia, e a liberdade
Chega, a resgatar-me à triste cela
Saio, em passos mornos de vontade,
Para um mundo que já não me espera
Sob os som dos passos conhecidos
Que hoje sigo por última vez
Chego ao hall por guardas protegido
E, ao canto, aguardo o que não sei
Olho à frente a derradeira porta
Trago à mão o Nada que restou
Nos cabelos, cinzas das derrotas
No meu corpo, a dor que me marcou
Aos que ficam, meu esquecimento
É o melhor presente que lhes dou
Nada levo, nem ressentimento,
Amizade, ódio ou amor
Lembro, com a mente em descompasso
Os mal idos anos em que ouvia
A promessa em teus fingidos lábios
De riqueza, amor e alegrias
Lembro os teus versos mergulhados
Em minh’alma, em canto de conquista
Tudo abandonei p’ra ter-te ao lado:
O esposo, o filho, minha vida
Me cobravas pelo meu desejo
Me vendendo caro o teu amor
Me rendi ao erro por teus beijos
Me tornando, aos poucos, quem não sou
E caí na furna, em desventura
E aprendi a disfarçar, mentir
Oh, desgraça, me tornei qual mula
Triste pária, trafiquei por ti
Par de algemas me acordaram a alma
Da ilusão que cultivaste em mim
Par de lustros me cobraram a paga
Pelos erros que errei por ti
Foi envelhecendo em fria cela
Onde o amor de mãe pulsou em mim
Que restituí-me ao que eu era
E, bem fácil, logo te esqueci
Meigo filho, hoje me arrependo
O abandono a que te releguei
Sofro a falta de te ver crescendo
E transbordo o amor que não te dei
E hoje a liberdade me convoca
E eu não sei sequer p’ra onde vou
Me assusta a chave abrindo a porta
À visão do sol quase a se por
Quem me esperará após os muros
Para me amparar na solidão?
Quem perdoará meu infortúnio,
Minha escolha, minha traição?
O meu coração, sonhos dispara,
Ante a esperança de encontrar
Rente à porta o filho que eu largara
Com olhar de puro perdoar
Eu perdoaria o meu passado
Ao rever teu rosto sem cobranças
Eu me acolheria em teus abraços
A chorar sorrisos de esperança
P’ra que tu, agora homem feito
Me enxugasse o pranto da alegria
Me acolhendo em caloroso beijo
Me levando, enfim, de volta à vida.
Abrem-me a porta e eu, sem pressa,
Saio em passos de apreensão
Olho a rua que me já não espera
Busco o filho, encontro a solidão.
(Samia Awada)


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Palavras-chave:
abandono, prisão